Quem mora próximo a uma torre de energia elétrica ou tem uma linha de transmissão cruzando o terreno já deve ter ouvido falar em “servidão administrativa”.
Mas afinal, o que isso significa na prática? É possível construir embaixo da linha? A área ainda é do proprietário? Quais são os riscos?
Como engenheiro eletricista com mais de 20 anos de experiência em projetos e perícias de energia, vou explicar tudo de forma simples e objetiva.
O que é servidão administrativa de energia
A servidão administrativa é uma faixa de terra dentro de um imóvel particular que precisa ficar livre para a passagem, instalação e manutenção de torres e linhas de energia elétrica.
Ela não tira a propriedade do dono — o terreno continua sendo particular —, mas limita o que ele pode fazer naquela parte do lote.
Essa servidão é criada porque as empresas de energia (concessionárias) precisam garantir segurança e acesso fácil às torres e cabos de alta tensão. Assim, mesmo que a linha atravesse um terreno privado, ela deve ser mantida e inspecionada periodicamente.
Como isso funciona na prática
Antes de construir uma linha de transmissão, a empresa faz um estudo técnico do traçado e define uma faixa de servidão, que é a área mínima necessária em torno dos cabos e torres para garantir segurança e manutenção.
Essa faixa varia conforme a tensão da linha e o tipo de estrutura usada.
Por exemplo:
- Linhas de alta tensão (138 kV a 500 kV) exigem faixas grandes, que podem chegar a 40 ou até 70 metros de largura.
- Linhas menores, de distribuição, geralmente têm faixas mais estreitas, de 10 a 15 metros.
Dentro dessa área, a concessionária pode:
- Instalar torres, cabos e aterramentos;
- Fazer inspeções e podas de árvores;
- Realizar manutenção e substituição de componentes.
Já o proprietário continua dono do terreno, mas deve respeitar as restrições impostas pela faixa de servidão.
O que pode e o que não pode ser feito dentro da faixa de servidão
Essa é uma dúvida muito comum, e a resposta depende do tipo e da tensão da linha.
De modo geral, vale seguir o princípio da segurança e da não interferência.
🔹 O que pode:
- Usar o terreno para cultivos de pequeno porte, como pastagem, hortaliças e lavouras baixas;
- Cercar a área, desde que a cerca não impeça o acesso de manutenção;
- Fazer passagem de animais ou atividades agrícolas leves;
- Instalar estradas vicinais ou vias de acesso de baixo impacto, se aprovadas pela concessionária.
🔸 O que não pode:
- Construir casas, galpões ou edificações sob a linha ou próximo das torres;
- Plantar árvores altas ou espécies com risco de tocar os cabos;
- Fazer aterros, escavações profundas ou movimentação de solo perto das fundações das torres;
- Armazenar materiais inflamáveis ou combustíveis sob a linha;
- Instalar antenas, estruturas metálicas ou painéis solares dentro da faixa sem autorização.
Essas restrições existem por segurança — tanto das pessoas quanto da rede elétrica.
Riscos de construir sob uma torre ou linha de energia
Construir dentro da faixa de servidão é um erro que pode trazer riscos sérios.
Os principais são:
⚡ Risco elétrico:
As linhas de alta tensão trabalham com milhares de volts. Mesmo sem encostar no cabo, é possível ocorrer uma descarga por “arco elétrico” — uma faísca que salta no ar. Isso é extremamente perigoso.
🌩️ Descargas atmosféricas:
As torres funcionam como “para-raios” naturais. Construções muito próximas ficam mais expostas a surtos elétricos e interferências.
🏗️ Problemas estruturais e legais:
A concessionária pode exigir a demolição da obra, pois a construção dentro da faixa de servidão é proibida por normas técnicas (como as da ABNT e da ANEEL) e coloca em risco a rede.
Além disso, o proprietário não é indenizado se construir irregularmente — pelo contrário, pode ser responsabilizado se causar danos à linha.
E quem já mora em área de servidão?
Em muitos casos antigos, as linhas foram instaladas há décadas, e a cidade cresceu ao redor.
Quando uma residência fica dentro da faixa de servidão, a concessionária normalmente faz vistorias e notificações para avaliar se há risco.
Se a estrutura oferecer perigo direto, pode haver ordem de desocupação ou pedido de remanejamento.
Por isso, é sempre importante:
- Verificar junto à concessionária se o terreno tem restrições;
- Consultar o registro do imóvel — a servidão normalmente consta na matrícula;
- Solicitar um laudo técnico ou parecer elétrico antes de iniciar qualquer obra.
A área continua sendo do proprietário?
Sim. A servidão não retira a posse nem a propriedade, mas limita o uso.
A empresa de energia tem apenas o direito de uso da faixa para fins específicos (passagem e manutenção da linha).
Em geral, quando a servidão é criada, o dono recebe uma indenização proporcional à área e aos prejuízos causados.
Mas mesmo com o pagamento, o terreno continua no nome dele.
Conclusão
A servidão administrativa é uma forma de equilibrar o interesse público com o direito do proprietário.
Ela permite que a energia chegue a todos com segurança, sem que seja necessário desapropriar grandes faixas de terra.
Para quem tem um terreno atravessado por torres ou linhas de energia, o mais importante é respeitar os limites de segurança e buscar informação técnica antes de construir.
Assim, é possível evitar riscos, prejuízos e até acidentes graves.